segunda-feira, agosto 11, 2008

O espelho.

Carlos era um indivíduo repugnante.

Sentado, ali, em frente àquele espelho ancestral, com as bordas desgastas onde ainda se viam alguns bocadinhos de talha d'ouro brilhante que resistiam ao anos, Carlos encolhia-se com medo do espelho que ali vivia desde a sua infância. De vez em quando retraía os lábios num esgar furioso que deixava à mostra os dentes amarelos e podres.

Não se conseguia mexer por mais que tentasse. Os seus músculos impediam-ne de fazer qualquer movimento que fosse. A cadeira, também antiga, onde Carlos estava sentado ranjia violentamente como se se fosse desmoronar a qualquer momento.

Carlos lambia o suor dos lábios, afincava as unhas na madeira. Não conseguia respirar. Aquele quadro apoquentava-o de tal maneira que o seu coração parecia que ia explodir num tremendo e abafado silêncio, para não perturbar a sua mãe, que vivia naquele espelho.

Tocaram à porta. Alguém entrou.

Aquela figura feminina de decote provocador, lábios carnudos, cabelos longos, brilhantes e sedosos, como teias de aranha. Há uns meses Carlos sentiria atracção por tal personagem, mas agora, nunca mais...

A mulher apena disse "Carlos..." e ele deixou-se cair para o chão carunchoso, fazendo enorme estrondo. A mulher apressou-se a acudi-lo, mas o cheiro a urina repugnou-a.

Carlos sofria por dentro. Os seus olhos, revirados, pareciam pérolas cobertas de sangue. A mulher pôs as suas mão na cara de Carlos e, enquanto barba grossa e comprida,lhe magoava a palma da mão, Carlos acalmou. Olhou para a mulher, já coberta de suor, levantou-se do chão carunchoso e começou a chorar.

Limpava os olhos com as mangas do casaco castanho e roto. Agarrou no espelho, que por momentos encadiou a mulher, e lançou-o ao chão...

A mulher chorava cada vez mais. Carlos gritava de dores. Agarrou num pedaço de vidro e cortou o seu próprio pescoço.

O vidro frio depressa aqueceu mal tocara as veia de Carlos, repletas de sangue quente. Tinham-se passado 7 anos da morte da sua mãe e ele caíra na droga. Aquela mulher tinha sido sua mulher e a mãe dos seus filhos. Fugiu, encharcada em lágrimas, enquanto Carlos ficou a morrer. O sangue a fervilhar de cobardia e dor entrava pelas frechas do soalho. Carlos morreu. Os pássaros cantaram de dor, nessa Primavera.

Sem comentários: