segunda-feira, agosto 18, 2008

Brilhavam, brilhavam...

Paula tinha 34 anos. Dois filhos e um marido trabalhador.
Dos dois filhos, um chamava-se Duarte... era eu.
Eu tinha cerca de 4 anos e a minha Mãe um cancro.
O meu pai pouco tempo passava em casa, mas já falo sobre ele.

Cada vez que entro naquele quarto, lembro-me daquela figura maternal, perfeita, com caracóis negros a cair dos lados das orelhas e uns olhos também negros, que brilhavam. Não sei como, mas brilhavam.
(Cada vez que me lembro de estar naquele lado da cama a olhar para Ela, o meu coração bate mais forte, como martelos que me batem no peito.)
Eu, com os meus remoinhos característicos que mostravam claramente de quem eu era filho, e com aquele olhos castanhos, chorava.
O meu pai dava-me colo. Sentia-me seguro nos seus braços, e apertava-o de tal forma que o meu pescoço ficava marcado da sua barba grossa. Todos me dizem que eu chorava noite e dia. Ninguém sabia porquê, porque me achavam pequeno demais para entender aquilo. O meu pai dizia-me estas palavras, constantemente, durante o ano que aquele tormento durou: "Calma, campeão. Vai correr tudo bem. Reza."
Eu fui ensinado a rezar na mesma altura que a minha irmã me ensinou a ler e a escrever o meu nome.
Eu rezei. Foi a coisa mais ridícula que fiz.

O meu pai foi quem mais sofreu. Ele não dormia e queria mostrar-se forte.
Mas as olheiras longas diziam exactamente o contrário. Um dia econtrei-o a chorar. Em frente dele estava o quadro do seu casamento, há 4 anos, há beira do rio. Nunca disse nada a ninguém, mas isso marcou-me. Vi o meu pai a chorar. A chorar, como eu.

O tormento não acabou tão cedo. Eu fechava os estores brancos, agarrava na minha almofada e ia para debaixo da cama, chorar.

Um dia a minha Mãe chamou-me. Sentei-me, ainda com os olhos molhados, negros e vazios, e não parava de soluçar. A minha Mãe deu-me um beijo na minha bochecha rosada, enquanto agarrava a mãe nervosa da minha irmã. Mandou toda a gente sair e falou comigo.

O que ela disse ainda estou a arranjar coragem para dizer a alguém.

Nessa noite a minha Mãe morreu. Eu morri com ela.

O que tenho dela são apenas fotografias e memórias, da mulher que me amou, que me salvou a vida. Da mulher cujas suas últimas palavras foram "Eu amo-te, querido."

1 comentário:

Rita Ribeiro disse...

Textos como os teus não deviam estar só neste blog , espero que nunca te transformes nas personagens que imaginas , que sejas sempre feliz , Gosto muito muito de ti , e és um grande amigo , mesmo! Continua :)